quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Lembranças

- O que você sente? - Ele perguntou com toda suavidade.
- Eu sinto uma dor insuportável. - Ela respondeu, ainda ofegante.
- E você consegue me dizer aonde dói?
-Dói dentro da minha alma. - ela disse.
- Dentro da ALMA? - Ele sorriu, como se aquilo fosse algo impossível.
- Nós não temos alma minha querida, isso é utópico demais para os seres humanos.
- Então, se não da alma, de onde vem essa dor que me consome a cada segundo? - ela continha lágrima em seus olhos.

Por um instante ele as enxugou com as próprias mãos, em sinal de pena. Era dificil explicar para aquela pobre menina que a dor deve ser física e que o espírito é apenas uma invenção dos homens.

- Essa dor provavelmtente vem de algum dos seus orgãos Helena.
- Dói o braço? Ou quem sabe o estômago? - ele continuou, tentando convencê-la.
- Não, não dói nada que possa ser tocado ou visto.
- Então isso não é dor! É uma invenção da sua mente perturbada menina! - Ele aumentou o tom de voz, em sinal de desaprovação.

A menina parecia desconsolada. Mas mesmo ouvindo o que o seu pai dizia e tentando acreditar, a dor permanecia, como se fizesse parte do seu ser.

- Você acha realmente que a dor independe da alma? - ela perguntou, querendo ouvir um não como resposta.
- Mas é claro! Já disse que a alma é pura invenção.
- Então, faça-me o seguinte: Feche os olhos e prenda a respiração.
- Aonde você quer chegar Helena? - Ele estava impaciente.
- Papai, apenas faça o que peço! Se não me compreender, prometo encerrar essa história.

Ele imaginou que seria uma boa oportunidade para acabar com aquela bobeira toda.

- Sim! estou de olhos fechados.
- Agora, prenda a respiração, como se fosse o seu ultimo sopro de vida.

Silencio por algum tempo. Ele estava ficando cada vez mais vermelho e certamente próximo da morte, que chegou bem perto e sussurrou algumas palavras em seus ouvidos. Subtamente sua respiração voltou, como mágica.

- Papai? Se puder me ouvir, faço o meu ultimo pedido.

Ele apenas acenou com a cabeça, positivamente.

- Continue de olhos fechados, e agora, pense na mamãe que não está mais entre nós.

Mais alguns segundos se passaram.

- Agora abra os olhos meu pai. - Viam-se lágrimas escorrendo por toda sua face.
- O que veio em sua mente quando não podia mais respirar?- Helena perguntou ao pai.
- Toda a minha vida. O meu casamento, o seu nascimento, a morte da sua mãe.
-E o que você viu, quando pedi para que pensasse nela?
- Lembranças minha filha. Lindas lembranças.
- E agora, dói?
- Mais do que você pode imaginar.
- Dói os braços, ou o estômago?
- Não. - Ele ainda estava pensativo.
- Mas então, aonde dói meu pai? - A pequena menina olhava fixamente para ele.
- Dói a alma minha filha, dói a alma.


São as lembranças que alimentam a alma. São elas, a própria alma. Mesmo que a morte chegue, mesmo que a respiração nos falte, seremos eternos enquanto formos lembrados.

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